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As métricas que ninguém vê

Eu tenho um podcast diário que fala um pouco de tudo mas sobretudo um pouco mais de algumas coisas, por exemplo... mistérios da ciência: por quê o Universo é feito de algo e não de nada? Que história é essa de tudo o que a gente vê por aí ser só 5% de tudo? Se o resto é Dark Energy e Dark Matter e os dois definem a expansão do Universo... como assim a gente ainda não sabe o que são?


O bom de ciência é isso, os caras adoram descobrir coisas que ninguém explica, adoram descobrir que sabiam pouco. Por essas e outras assunto nunca falta no meu podcast caseiro e eu estou sempre aprendendo ideias novas, e uma delas é o tema deste artigo: ausência de evidência não é evidência de ausência. Adoro essa frase, sobretudo porque ela não é imediata, ela nos faz hesitar e refletir se entendemos o jogo de palavras... ou não.


Pensemos nessa pandemia: tem prefeitos por aí relaxando a quarentena porque ainda não tem casos na cidade. Pois bem: ausência de evidências (casos) não quer dizer evidência de ausência do coronavírus, ainda mais que metade dos casos novos foram causados por gente que estava contaminada, não tinha sintoma algum mas estava espalhando vírus por aí sem perceber.


Um outro exemplo ilustrativo: tempos atrás participei de uma série de reuniões estratégicas onde todas as decisões seriam baseadas em números, o que parece bastante sensato. O drama é que minha proposta envolvia comunicação, comunicação envolve percepção e percepção é algo subjetivo, difícil de quantificar. Para piorar, eu não podia usar adjetivos para defender minhas ideias, porque adjetivos são “soft”, “fluffy”, “florzinha”, “sbruffs” e outros adjetivos machistas e preconceituosos usados... contra o uso de adjetivos (que ironia). Se eu quisesse defender meu plano, tinha que usar algo mensurável objetivamente (vendas, por exemplo). Se não fosse mensurável, não era um problema.


Ok, ok, metodologias são metodologias e quem sou eu para questionar o avanço impressionante do Lean, quem sou eu para criticar a adoção entusiástica dessa mentalidade por grandes bancos e executivos e empresas e tal... ainda mais sabendo que de tempos em tempos alguma ideia inicialmente exótica (ou antiga, pois Lean tem uns 50 anos) vira em pouco tempo uma seita dominante com adoradores e sacerdotes. Faz parte.


Nessa história que eu acabei de contar o fim foi previsível: eu não dancei conforme a música e no final... dancei, paciência. Algo porém me intriga até hoje: quando a gente se pauta só pelo que a gente pode medir, o que garante que não estejamos comendo bola? E se a coisa mais importante, aquilo que realmente vira o jogo, aquilo que explica o sucesso e o fracasso for algo que deixamos de lado... porque não sabemos medir?


Vou procurar na minha estante um livro que li há alguns anos chamado, se não me engano, How To Measure Anything, onde o autor dizia que as empresas gastam um tempo enorme (ele usou uma porcentagem, claro, mas já me esqueci) medindo o que não importa enquanto deixam de lado o que é importante... porque acham que não dá para medir.


Outro livro sensacional, The Hidden Half, insiste no fato de que, mesmo quando achamos que entendemos tudo isso só explica metade do que acontece e o resto é fruto de coisas imponderáveis e que não estavam no radar. (Eu fiz um review aqui, veja: Leia Vale a Pena: The Hidden Half - Michael Blastland)


Metade oculta me fez lembrar de uma história interessante da Segunda Guerra: os alemães estavam derrubando um monte de aviões aliados e os militares precisavam de alguma maneira de blindar os caças e bombardeiros sem que ficasse pesado demais. Chamaram um matemático, Abraham Wald, e mostraram para ele um belíssimo levantamento de onde os aviões eram mais atingidos, achando que isso daria uma boa pista de onde reforçar a lataria.


O cara olhou, olhou, pensou e disse: não é aí que temos que reforçar. Os militares estranharam... como assim descartar essa evidência toda? O Wald argumentou: a gente sabe desses furos porque os aviões conseguiram voltar... mas se eles conseguiram voltar os furos não foram fatais. A questão é: e os que não voltaram, onde foram atingidos? Não foi nesses lugares. Resultado: blindaram onde não havia furos e o resto é história.


Lembrei agora de uma anedota antiga, uma lenda árabe que sempre faz sucesso em palestras que começa assim: imagine um bazar marroquino, o Grand Bazaar em Istambul, a 25 de março no Natal, com gente por todo lado andando de lá pra cá entre balcões e vitrinas e vendedores gritando e... um velhinho de quatro, no chão, procurando algo na calçada.


Um bom samaritano (estamos em uma lenda, afinal) se condói da situação do ancião e resolve ajudar.


- O senhor perdeu alguma coisa aqui?

- Não, não, eu perdi lá em casa mas lá é muito escuro, aqui tem mais luz e eu enxergo melhor.


Ok, ok, piada de tio, eu sei, mas pense aí se no trabalho não está cheio de gente procurando pelo em ovo enquanto a concorrência nada de braçadas numa frente que ninguém estava de olho. Pense e depois me conta se você já viu algo assim. Se não viu, veja qualquer jornal: o coronavírus vai de vento em popa porque estamos medindo o que é fácil medir: mortes, e só medir as mortes (ou os casos graves) aumenta as mortes, porque estamos fechando os olhos para o que deveríamos estar medindo.

Dark Matter, Dark Energy... acho que agora encontrei um novo tema pro meu podcast: Dark Metrics. Assunto não vai faltar.

 

Artigo por: Rene de Paula Jr.


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